fonte: Fantástico/Rede Globo

Na semana passada, o Fantástico apresentou uma reportagem em que testou os três princípios ativos das marcas de medicamentos genéricos mais vendidos no Brasil: Losartana Potássica, para pressão alta; o analgésico Dipirona Sódica; e Citrato de Sildenafila, para disfunção erétil.

Todos os laboratórios fabricantes do Citrato de Sildenafila foram aprovados. Da Dipirona, o genérico da Neoquímica não tinha a dosagem mínima exigida. Das marcas de Losartana Potássica genérica, Medley, Prati-Donaduzzi e Geolab não atingiram os níveis de referência no teste do perfil de dissolução. E o genérico do laboratório EMS não apresentou a quantidade mínima exigida de princípio ativo.

A Anvisa, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, só reconheceu o resultado da dipirona. Minimizou os testes de perfil de dissolução e disse que a Losartana da EMS estava aprovada porque o laboratório tinha apresentado uma metodologia própria avalizada pela agência.

As análises foram realizadas no laboratório da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais, o Cedafar. No início da semana, a Anvisa divulgou uma extensa nota, também enviada à TV Globo, questionando a reportagem e os testes, mas cometendo imprecisões que fazemos questão de esclarecer.

A nota da Anvisa começa dizendo que o laboratório da Universidade Federal de Minas não é habilitado para testes de análise fiscal: “O Centro de Estudos e Desenvolvimento Analítico Farmacêutico (Cedafar) da Universidade Federal de Minas Gerais, contratado pela produção do Fantástico para os estudos, nunca foi habilitado pela Anvisa para realizar testes em medicamentos para efeito de análise fiscal.”

Deixamos claro na reportagem que o Cedafar – Centro de Estudos e Desenvolvimento Analítico Farmacêutico da EFMG – é habilitado para testes de registro de medicamentos. Diz a reportagem: “A análise foi feita no laboratório da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais. O laboratório foi o primeiro habilitado pela Anvisa a fazer esses testes de registro depois da criação da lei dos genéricos, em 1999”.

A nota acusa o Fantástico de ter sonegado a informação de que o laboratório não é habilitado para testes de análise fiscal: “A informação de que o Cedafar não é habilitado para realizar testes de análise fiscal foi repassada à reportagem, mas foi sonegada pelo Fantástico aos seus espectadores, dando a falsa impressão de que o laboratório é credenciado para todos os tipos de testes”.

A reportagem chegou a destacar que os laboratórios para análise fiscal não são os mesmos para o registro: “Para fazer a fiscalização dos medicamentos, cada estado tem laboratórios ligados às vigilâncias sanitárias”. E deixou claro também que os testes de laboratório são os mesmos, tanto para registro como para fiscalização.

Segundo Gerson Pianetti, diretor da Faculdade de Farmácia da UFMG, “todos os testes realizados aqui são obrigatoriamente os mesmos da fiscalização”.

Na nota, a Anvisa tenta desacreditar o laboratório dizendo que ele teve o credenciamento suspenso duas vezes, a última delas entre setembro de 2015 e fevereiro de 2016, porque seus equipamentos não estavam calibrados: “O Cedafar já teve sua habilitação para realizar esses testes suspensa pela agência em duas ocasiões, a última delas no período de 12/09/2015 até 03/02/2016, pois nenhum de seus equipamentos, na inspeção realizada pela Anvisa, estava calibrado de acordo com as normas vigentes”.

Ao optar por realizar os testes no Cedafar – testes que foram formalmente comunicados à Anvisa dia 5 de dezembro de 2016 -, o Fantástico levou em consideração, além da qualificação do laboratório, que já fez mais de 700 estudos nessa área, a decisão da própria agência, informando que a suspensão tinha sido cancelada e que o laboratório estava novamente habilitado para os testes.

O Cedafar é coordenado pelo professor Gerson Pianetti, que já esteve à frente de setores de aquisição, distribuição e controle de qualidade de medicamentos do Ministério da Saúde. Ele foi presidente da Farmacopeia Brasileira, membro observador da Farmacopeia Europeia e consultor da Farmacopeia Norte-Americana.

O professor Pianetti rebateu a Anvisa, informando que a suspensão, por duas vezes, do credenciamento do Cedafar partiu de uma comunicação do próprio laboratório, que identificou a necessidade de recalibrar seus equipamentos. E, em nota, manifestou que “causa estranheza a tentativa de desqualificação por parte da Anvisa dos trabalhos executados e dos resultados apresentados”.

A Anvisa se disse espantada por termos alegado questões éticas para não fazer o teste de bioquivalência nos medicamentos analisados. Argumenta na nota que não haveria impeditivo ético pra isso: “Causou espanto, também, a alegação dada pela reportagem de que o teste de bioequivalência dos medicamentos, (….) não foi realizado por ‘questões éticas’. Isso não é verdade. Não haveria nenhum impeditivo ético para que esses testes fossem realizados.”

O Fantástico mantém a posição de que não seria ético, para finalidades jornalísticas, submeter pessoas saudáveis a um experimento médico-científico, já que qualquer experimento desse tipo, por mais simples e menos invasivo que seja, envolve algum tipo de risco para o voluntário.

A nota diz que os testes de bioquivalência representam a avaliação definitiva sobre a ação do medicamento no organismo e que as análises realizadas a pedido do Fantástico são importantes, mas não suficientes: “Testes de bioequivalência são realizados em voluntários sadios e medem a concentração do produto no sangue, possibilitando, sem nenhuma dúvida, a avaliação definitiva sobre a ação real do medicamento no organismo humano. Os testes que foram realizados pelo laboratório contratado pelo Fantástico – de teor e de dissolução do princípio ativo – são importantes, mas não suficientes”.

A reportagem destacou justamente a importância do teste de bioequivalência, exibindo a explicação do próprio presidente da Anvisa. Segundo Jarbas Barbosa, presidente da Anvisa, “a bioequivalência é um teste mais completo, é um teste que avalia no mundo real, ou seja, num ser humano, e não numa bancada de laboratório, qual vai ser o comportamento daquele genérico”.

Exibimos ainda a opinião do professor Odorico Moraes, diretor do Núcleo de Pesquisa de Medicamentos da Universidade Federal do Ceará. Segundo Odorico Moraes, “ela é soberana sobre os testes que são feitos in vitro”.

Mas mostramos, também, a opinião divergente do ex-secretário de Vigilância Sanitária. Ele diz que o teste de perfil de dissolução é um indicativo fundamental. Antônio Carlos Zanini afirma: “É fundamental. É o mais barato que tem, mais fácil de fazer. E se não passar na dissolução provavelmente não vai ser bem absorvido”.

A Anvisa alega que os especialistas ouvidos pelo Fantástico não diferenciaram dissolução e perfil de dissolução, confundindo os dois conceitos: “Na matéria do Fantástico, os especialistas que foram ouvidos não diferenciaram “dissolução” e “perfil de dissolução”, confundindo os dois conceitos. Não sabemos se por falha na edição ou por não saberem exatamente que teste havia sido realizado”.

O Fantástico não tratou do teste de dissolução, que faz parte do conjunto de análises de equivalência farmacêutica. Detalhou, pela relevância, o teste de perfil de dissolução. Esse teste procura prever a velocidade com que o medicamento vai liberar o princípio ativo na corrente sanguínea, quando estiver dentro do organismo. De acordo com Naialy Araújo dos Reis, pesquisadora da UFMG, “a gente vai verificar a liberação do fármaco pelo comprimido. Eles não podem liberar tudo de uma vez nem demorar muito pra ser liberado”.

A Anvisa diz ainda que o Fantástico não perguntou quantos laboratórios utilizaram metodologias próprias. Quis saber apenas quais eram essas metodologias: “Diferente do que afirma a reportagem do Fantástico, a Anvisa não foi questionada sobre quantos laboratórios utilizaram metodologias próprias no registro do medicamento Losartana Potássica. A reportagem perguntou quais eram as metodologias específicas usadas nos registros”.

O Fantástico trocou e-mails com a Anvisa sobre as metodologias usadas pelos laboratórios testados para saber quantos deles tinham validado essas metodologias com a agência. Informação essa que acabamos conseguindo com alguns fabricantes. Quatro deles responderam e confirmaram que também tinham conseguido aprovar metodologias próprias para o registro da Losartana.

A Anvisa alega, na nota, que monitora o mercado e que recolheu 95 lotes de medicamentos no ano passado: “A Anvisa realiza o monitoramento permanente da qualidade dos medicamentos comercializados no Brasil; em 2016, a agência suspendeu a comercialização de 95 diferentes lotes de medicamentos”.

Na reportagem, o presidente da Anvisa falou sobre essas apreensões. Jarbas Barbosa disse: “Nós retiramos mais de 90 lotes do mercado”.

Mas várias perguntas sobre a fiscalização dos genéricos, encaminhadas pela reportagem à Anvisa, ficaram sem resposta:

– Quantos medicamentos genéricos irregulares tiveram algum tipo de punição em 2016? .

– Quantas denúncias foram registradas?

– Alguma empresa teve seu registro cancelado por não comunicar alterações pós-registro?

– De quais países foram importadas matérias-primas utilizadas na fabricação de medicamentos genéricos em 2016?

– Foram realizadas fiscalizações nessas matérias-primas importadas?

– Por qual motivo a Anvisa não comunica a Farmacopeia Brasileira sobre novos métodos de análise de medicamentos registrados, como o apresentado pela EMS para Losartana e aprovada pela agência?

Perguntamos sobre punições, sobre denúncias registradas, sobre registros cancelados, sobre a origem e a fiscalização das matérias-primas importadas e, por fim e principalmente, quais as razões que levam a Anvisa a não comunicar à Farmacopeia Brasileira novos métodos de análise, como o apresentado pela EMS para Losartana e aprovada pela agência.

A nota da Anvisa afirma também que não há divergências entre a agência e os especialistas: “… Não há base nenhuma para a afirmação do Fantástico de que haja ‘divergências’ entre a agência e especialistas”.

Mas não foi isso que os especialistas ouvidos pelo Fantástico disseram sobre fiscalização e os resultados do teste da Losartana. O medicamento da EMS foi reprovado por ter teor mínimo inferior a 95%, mas a EMS tinha aprovado outra metodologia junto à Anvisa, reduzindo esse índice para 90%.

Jarbas Barbosa, presidente da Anvisa, diz: “Foi apresentada previamente à Anvisa, foi analisada por nossos técnicos e foi validada, dizendo que ele pode estar entre 90 e 110”.

Antônio Carlos Zanini, médico ex-secretário nacional de vigilância sanitária, afirmou: “É o maior absurdo que eu já vi na vida em termos de remédio”.

Marcus Malachias, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia: “Em cardiologia, nós utilizamos esse conhecimento de 95%. Ou seja, o medicamento tem que estar próximo aos 100%”.

Gilberto Lopes, pesquisador da Universidade Johns Hopkins: “Hoje a grande maioria dessa matéria-prima de princípios ativos vem da Índia e da China. E não são necessariamente inspecionadas pela Anvisa”.

Anthony Wong, professor assessor da OMS: “Uma vez o produto genérico no mercado, ou seja, no balcão, nas prateleiras das farmácias, não há mais nenhuma exigência que ele tem que submeter a testes de qualidade”.

A nota condena ainda a orientação de que cabe aos médicos indicar aos pacientes qual o genérico que tem qualidade: “É absolutamente equivocada e perigosa para a saúde da população a afirmação feita pela matéria de que caberia aos médicos indicar a cada paciente qual o genérico que tem qualidade”.

A reportagem destacou apenas a importância do papel dos médicos como os principais responsáveis por avaliar a eficácia dos remédios por eles prescritos e indicar aos pacientes quais realmente fazem efeito.

Por fim, a nota da Anvisa relata todo o desenvolvimento dos testes e seus resultados, enumerando explicações e divergências, tal como foram apresentadas na reportagem.